Eles são ótimos. Marcelo Tas tem um histórico respeitável de um jornalismo engajado (Repórter Varela), e um personagem edificante para a infância da minha geração (Prof. Tibúrcio).
Os outros moços do programa contam com uma inteligência afiada, repertório, além de serem gentis e charmosos.
O quadro Proteste Já do adorável Rafinha Bastos nos convida à democracia participativa, e tem o condão de interferir diretamente na situação política de uma comunidade. As indagações irônicas de Danilo Gentili pelos corredores do senado desvelam a ignorância e indiferença dos nossos parlamentares. Meus aplausos.
O formato do programa cativa. Humor sagaz e comprometimento social - o que diferencia de outros humorísticos de vulgaridade reiterada e apelação non sense - fizeram do programa um sucesso em poucas edições. Em suma: o potencial de esclarecimento político e denúncia é o que sustenta a peculiaridade do show.
Os guris também estão presentes nas highways virtuais da rede e contam com centenas de milhares de fãs que não poupam elogios à suas performances. Celebridades se declaram, jovens mulheres se oferecem, jovens homens se inspiram, anunciantes se dobram: CQC é merecidamente pop.
Em pouco tempo, de artistas desconhecidos eles se tornaram formadores de opinião com agendas lotadas em stand-ups em todo o país. E, como se cumprissem o destino do sucesso precoce, surgem os primeiros indícios de megalomania (ilusão de grandeza e superioridade, no caso, moral).
Há duas semanas o programa exibe um quadro, conduzido por Danilo Gentili, que tem a pretensão de denunciar e alertar sobre a pedofilia na internet.
Uma bela atriz de 24 anos se passa por uma adolescente de 15 e incita homens a conversarem com ela via msn.
A bonita não oferece resistência qualquer ao convite para iniciar uma chamada de vídeo. Aliás, essa é a indução que sustenta o quadro.
Honestamente: qual o objetivo implícito de um casal desconhecido até então, ao abrirem suas webcams? Apreciarem-se esteticamente, creio.
D´outro lado os homens constatam a beleza da manceba que declara estar sozinha em casa. Para conferir certa vitimização juvenil ela questiona:
- Você não liga de eu ter 15 anos?
Essa graciosa pergunta, parece-me, enaltece a volúpia da real vítima que desfruta aquela imagem cândida e risonha da mocinha de franja.
Parêntesis: Quem vai negar que a mídia, a moda, o mercado fonográfico, publicitário, cinematográfico tem como apelo visual a figura da adolescente? A gatinha impúbere faz parte do imaginário erótico masculino - quer queira ou não a União Brasileira dos Moralistas de Fachada*. Vide Britney Spears et alli.
Voltando: como esperado, o homem, visivelmente excitado, propõe que bela levante-se, ou dispa-se, ou averigue sua ereção...
Aí entra Gentili satirizando o frustrado homem, que rapidamente encerra a conexão.
Incautos bradam com semblante contraído: que falta de vergonha! Para mim não passa de terrorismo moralista. Explico:
1 - Uma garota de 15 anos é adolescente, não criança. É sujeito. E pasmem, queridos, conta com PLENA liberdade sexual. Até a Suprema Corte concorda. Logo, ela pode dispor de seu corpo, via web ou tactilmente falando. Negar isso é suplantar a capacidade de cognição das gurias. É presumi-las sem capacidade de entendimento sobre o sexo. Logo, não se trata de pedofilia. A demonizada expressão no quadro é equivocada e sensacionalista.
2 - Ao imputar as vítimas do quadro como pedófilos é encoberta a verdade do desejo: everybody wants the girl. E por horror à identificação (que geraria culpa), denunciam e supliciam o agente revelador do desejo. Freud, é claro, já explicou.
3 - O quadro induz, incita, instiga e excita os homens que participam dele involuntariamente. É o verdadeiro agente da suposta e imaginária infração que pretende denunciar. É o que no Direito Penal chamar-se-ia de flagrante preparado, vedado em nosso ordenamento: pois é claro, o Estado não pode punir um crime fomentado por ele. Gentili e a atriz aproximam o doce na boca da criança para depois culpá-la de desejar abocanhar a guloseima. Isso que é sacanagem.
É certa a gravidade da pedofilia real que vitimiza crianças em todo o mundo. É certo que a internet propiciou a circulação de materiais pornográficos envolvendo os pequenos, que não contam com capacidade de discernimento acerca do sexo; que não são capazes de resistir ou consentir.
Mas esse não é caso.
A popularidade do programa Custe o Que Custar devido a seu bem-vindo caráter de denúncia mostra indícios megalomaníacos ao utilizar expressões demonizadas e acusar indivíduos de algo que sequer pode ser reprovável. É esquisito um homem de 50 anos desejar uma garota que diz ter 15? Pode até ser. Mas é lícito e legítimo, posto que socialmente estimulado.
Reitero: gosto do programa, estou cativada há tempos por Marcelo Tas e agora por seus adoráveis "animais". Entretanto, o fato de gostar de algo nunca me impediu de vislumbrar ressalvas a ele.
Vida longa ao CQC, e que o sucesso advindo de seu potencial emancipatório não lhes (e nem nos) saqueie a capacidade de auto-crítica.
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*André Dahmer, cartunista e criador dos Malvados, tem uma série elucidativa chamada a União Brasileira dos Moralistas de Fachada. Como postei em meu twitter, ele fala pouco e diz muito, como sói passar com as mentes mais argutas: www.malvados.com
Outra mini-decepção ficou por conta de um comentário (também megalomaníaco) de Tas em seu blog em que diz que Saramago é medíocre e ilegível. A inaptidão do leitor implica na desqualificação do escritor? Ainda assim, meus beijos ao Tas. Posso suportar a sua incapacidade em apreciar a deliciosa escrita do portuga.