segunda-feira, 6 de julho de 2009

Klimt e o Castigo Erotizado



Gustav Klimt (1862 - 1918), filho de Viena quando esta passava por seu esplendor, antecipou o modernismo, provocou os velhacos e seus pudores, dormiu com damas aristocratas a despeito de seus maridos, e fundou uma anti-Academia de artes. Enfim, ele causou na capital austríaca. E hoje é um dos preferidos das gurias que se veem nas suas telas, e dos rapazes que apreciam a languidez das moças klimtianas.

Embora seja famoso por retratar o feminino envolto em seus adornos e olhares altivos e sensuais, nos interessa aqui olhar mais de perto para uma obra de encomenda para a Faculdade de Direito da Universidade de Viena.

Lá por 1890, Klimt já era o pintor da moda, premiado pelo Imperador em Viena. O Burgtheater - teatro portentoso da capital, e um dos mais importantes da Europa - teve seu teto e escadarias laterais decoradas por ele e dois parceiros.

Dada essa famosidade, em 1896 a Universidade de Viena lhe encomendou três afrescos: Filosofia, Medicina e Jurisprudência. Todas foram rejeitadas pelos setores conservadores. Além de conter nus, destacavam a impotência desses saberes diante da morte e do não-saber. De fato, a arte supera a verdade.


Embora o embaraço, o Ministério da Cultura adquiriu as telas, mas não para o fim que se destinava (decorar a Universidade), e sim para expo-las em uma galeria estatal.

Perante a oportunidade de expor essas obras em Saint Louis, EUA, Klimt solicitou-as ao governo, que se negou a cede-las ao artista sob a alegação de que tratava-se de patrimônio público. Afrontado, Klimt rescindiu todos os contratos públicos pendentes, devolveu a quantia que recebera pelas três obras, e ameaçou carrega-las pessoalmente para seu ateliê. Diante desse desconcerto, fora atendido o pedido do artista que retomou suas telas para si.

Hoje, as telas encontram-se desaparecidas. Há quem diga que foram destruídas pelos nazis em 1945 para não deixá-las aos russos. Os mais prudentes dizem apenas que estão perdidas. É uma pena. Esse retrato do castigo e da indiferença do julgador, poderia ser a figura objeto de reflexão mais detida dos juristas e seus aspirantes. Pois foi a eles (nós) que Klimt dedicou.

Como não me meto a interpretar arte - além da inaptidão, me submeto ao inefável que ela me provoca - traduzo livremente um pertinente comentário a essa obra, retirado da página de um museu espanhol ( http://www.artehistoria.jcyl.es/genios/cuadros/14392.htm ):


"Em Jurisprudência, o mestre austríaco plasmou toda sua ira e indignação, fazendo uma declaração subversiva, relacionando-se com "A Interpretação dos sonhos" de Freud. A obra definitiva difere radicalmente do esboço inicial e inclusive das suas companheiras [Medicina e Filosofia].

A figura central é uma vítima indefesa da lei, não un símbolo da Justiça. Se trata de um homem desnudo - feito curioso na produção de Klimt já que a mulher sempre ocupa o papel protagonista - com as mãos atrás das costas, abaixando a cabeça em atitude submissa. Seu corpo está envolto por uma figura monstruosa, uma espécie de tentáculo com ventosas, interpretado como a consciência culpável.

Junto à vítima [grifei] encontramos três figuras femininas desnudas - similares às que protagonizam Serpentes aquáticas -, "las tres erinias que vengan cada culpa" (S. Partsch) surgindo de uma zona obscura que poderia ser interpretada como o Inferno, como três mulheres fatais habituais na iconografia de Klimt, dotadas ao mesmo tempo de um aspecto de gorgona clássica.

Essa zona obscura impede contemplar com claridade um edifício de pedra interpretado como o Tribunal Supremo, em cujo terraço se situam as figuras da Verdade, da Justiça e da Lei, figuras femininas ausentes de vida, acompanhadas das cabeças dos juízes, como bustos romanos.

Desta maneira, a representação da Justiça deixa passo ao castigo "sexualizado, psicologizado como una pesadilla erótica en un infierno frío y húmedo" (Schorske).

Se considera que Klimt utilizou como fonte literária alguns dos cantos do "Inferno" de Dante, aludindo assim a temática central de todo o encargo: o amor, as idades da vida e a morte.

Também se alude às "Oréstias" de Ésquilo, na que Atena convence às Fúrias para que se convertam em suas protetoras, invertendo Klimt o simbolismo clássico ao restituir às Fúrias seu poder original.*"


___________

* Mas isso falamos em outro post.

Nenhum comentário:

Postar um comentário